A ideia de um currículo comum para o Ensino Médio e seus desafios
texto de Roberto Carlos de Assis Almeida, Coordenador Pedagógico do Ensino Médio
O Ensino Médio, por ser o último segmento da educação básica, sempre seguiu uma estrutura padronizada em todas as escolas. O enfoque sempre foi trabalhar as disciplinas tradicionais com abordagens conteudistas e generalistas obrigando todos os estudantes a verem os mesmos conteúdos independentemente de suas competências e habilidades. A grade (matriz) curricular era pré-estabelecida e abrangia todas as áreas do conhecimento. Dessa forma, a única possibilidade de flexibilização estava pautada na quantidade de aulas que as escolas estabeleciam para cada disciplina, ou seja, todas as escolas tinham que ofertar as mesmas disciplinas, mas definiam a quantidade de aulas de química por exemplo.
Tendo em vista que nas últimas décadas o acesso à informação e aos conteúdos se tornou instantâneo, graças ao desenvolvimento dos meios de comunicação e da internet, tornou-se necessário rever os conceitos e os objetivos da educação em escala global. Essa revisão passa pelos seguintes aspectos: a) mercado de trabalho: temos observado mudanças na demanda do mercado de trabalho, cada vez mais o mercado vem exigindo competências e habilidades múltiplas; não há mais como uma pessoa conseguir e se manter em um emprego apenas com os conhecimentos pragmáticos adquiridos de forma conteudista. O mercado está em constante evolução e necessita de profissionais proativos; b) cultura e sociedade: se faz necessário promover uma formação que possibilite aos estudantes a capacidade de adaptação, flexibilização e personalização do conhecimento. A cultura pautada no conhecimento unicamente conteudista e tecnicista está ultrapassada, assim como, a visão preconceituosa nas relações sociais. Formar pessoas capazes de compreender as diferenças tornou-se tão ou mais importante do que formar pessoas que apresentam apenas excelência acadêmica; c) mundo globalizado: com a evolução das relações comerciais e o processo de globalização, manter uma proposta educacional conteudista soa arcaico e ultrapassado.
Se faz necessário acompanhar os padrões internacionais de vanguarda educacional que tem apresentado propostas abrangentes para a formação básica. Países que repensaram suas estruturas educacionais como a Finlândia, Singapura e Coreia do Sul, por exemplo, estão assumindo posições de destaque na economia mundial.
Desse modo, o “Novo” Ensino Médio (organizado segundo a Lei nº 13.415/2017) conta com quatro áreas do conhecimento – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza e suas Tecnologias – que são subdivididas em unidades do conhecimento (antigas disciplinas). Também conta com a parte diversificada, chamada de flexível, onde estão inseridos os Itinerários Formativos, as disciplinas eletivas e o Projeto de Vida.

Essa lei tem gerado, desde sua promulgação, inúmeras discussões e duras críticas por parte da sociedade, educadores, pesquisadores e especialistas em educação. As análises dos especialistas podem ser resumidas e inseridas nas ideias de flexibilização do currículo, que permite aos estudantes a ter autonomia na escolha de sua formação específica, optando por disciplinas que compõem sua futura área de atuação e de acordo com seu projeto de vida; ênfase em competências e habilidades: a partir da primícia de que é essencial para a formação integral dos estudantes o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia, da criatividade, da capacidade de empreender e da visão colaborativa, um dos alicerces da reforma é possibilitar aos estudantes o desenvolvimento pleno de suas competências e habilidades; e o aumento da carga horária: como forma de se alinhar aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a reforma propôs o aumento gradativo da carga horária no Brasil. Em um primeiro momento estipulou, com início imediato, uma jornada de 3.000 horas divididas nos três anos (1.000 horas/ano) do Ensino Médio e sua ampliação para uma jornada de 4.200 horas (1.400 horas/ano), porém sem data definida para sua implantação.
Os impactos e desafios em sua implantação podem ser vistos, em maior urgência, na adequação de infraestrutura, na capacitação dos professores, na elaboração e adequação das matrizes curriculares, na dificuldade de articulação entre os diferentes entes federativos (União, estados e municípios) e no aumento da desigualdade educacional e social entre os estudantes do Ensino Médio.
Quanto às disciplinas oferecidas como Itinerários, foram elaborados blocos em que os objetos de estudos são temas/conteúdos, independentemente dos componentes curriculares. Essa concepção de blocos visou atender aos seguintes requisitos propostos na BNCC: conectar experiências educativas com a realidade contemporânea e desenvolver habilidades relevantes para a formação integral. Para ser considerado um itinerário as disciplinas oferecidas devem contemplar pelo menos um dos quatro eixos estruturantes: Investigação Científica; Processos Criativos; Mediação e Intervenção Sociocultural; e Empreendedorismo.
A autonomia que cada escola tem em elaborar sua matriz, assim como as incertezas causadas pela falta de uma Matriz de Referência oficial por parte do MEC, justificam os dilemas e anseios, como também as críticas.
Sem dúvida se faz necessária a modernização do ensino no Brasil; na década de 80, Brasil e Coréia do Sul estavam no mesmo nível de desenvolvimento econômico. A partir da entrada de capital externo na economia coreana, o governo daquele país investiu na reforma educacional e alavancou a educação básica; hoje, a Coréia do Sul tem um dos melhores níveis de desenvolvimento econômico.
Como gestor, pude perceber que poucos são os defensores de uma reforma que possibilite uma modernização da educação e impulsione o desenvolvimento político, econômico, científico e social do Brasil. Isso decorre de uma visão arcaica por parte da sociedade e de uma discussão ideológica pautada na disputa dos defensores do neoliberalismo contra os defensores de gestões “populistas”. Enquanto essa disputa não se resolve, a educação brasileira continua a se afastar da modernização e contextualização do conhecimento.
Importante lembrar que a reforma implementada pela Lei 13.415/2017 foi uma política de Estado e não de governo, portanto, a intervenção do atual governo em relação a essa reforma traz uma instabilidade e descrença na educação. Se cada novo governante resolver suspender a implantação de uma reforma já aprovada e em curso, entraremos em um processo infindável de incertezas que só trará prejuízo aos estudantes e consequentemente ao desenvolvimento social, político, científico, tecnológico e econômico.
Enquanto a educação pública permanecer “fora” da prioridade dos governantes e as classes mais privilegiadas continuarem a pagar, “duplamente”, para que seus filhos tenham acesso a ensino de “qualidade”, continuaremos a ver a educação pautada na excelência de resultados acadêmicos, deixando de lado o aprendizado significativo pautado em competências e habilidades que poderiam ser desenvolvidas a partir da adoção de matrizes curriculares modernas e que atendam a realidade de cada região deste gigante que vive “deitado eternamente em berço esplêndido”.


